quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Lugares de Ensino do Audiovisual, e a Licenciatura em Cinema e Audiovisual da UFF

por João Luiz Leocadio

As inovações tecnológicas são marcas do desenvolvimento humano em todas as civilizações e, frequentemente, são utilizadas para caracterizar e demarcar uma época, ou uma geração. A Idade dos Metais frente a Idade da Pedra pode exemplificar uma dessas referências ao apontar para algumas transformações sociais produzidas pela descoberta dos modos de usar o cobre, o bronze e o ferro. As classes dominantes reforçavam sua posição de poder e dominação pela posse de utensílios e produtos de metal, desde objetos simples de uso domiciliar, passando por adornos pessoais até chegarmos às armas para caça e defesa, o que levou a configurar hábitos sociais e práticas comerciais que resultaram na estratificação econômica da população a partir do acesso a determinados artefatos de metais.

Com o audiovisual não é diferente. Surgido no século XX, através do cinema, da televisão e das mídias digitais, o audiovisual teve seu acesso ampliado gradativamente começando pelos grandes salões, com a primeira exibição de cinema no Gran Café em Paris, até se disseminar para grandes contingentes da população que pouco a pouco foi ganhando acesso. Tal qual os adornos de metais, que marcaram uma Era na Pré-História, o audiovisual marcou o século passado com a difusão de cultura nas grandes salas de exibição até chegar às residências populares nas zonas rurais e de periferia.

Embora seja verdade que parte da população mundial esteja na idade da pedra das imagens, nós aqui no Brasil desfrutamos de algumas oportunidades estimulantes para nos inserir na Era do Audiovisual, ainda que não façamos parte das classes dominantes da linguagem audiovisual. A democratização dos meios de comunicação fazem parte desse debate e a defesa individual e a caça de opressores substituiu as armas de metal por câmeras de qualquer tamanho e formato.

O audiovisual ampliou a presença das imagens na sociedade diversificando as possibilidades de difusão de cultura, fazendo com que surgissem novos valores de modernidade e de poder, análogo aos que existiam na Pré-História com o uso dos metais, a partir da onipresença das imagens. Estabeleceram-se novas hegemonias e dominações a partir de quem produz imagens e sons em relação a quem consome audiovisual, fenômeno que se insere na discussão mais ampla dos meios de comunicação, e que são características de uma nova organização social: a sociedade audiovisual.

Ao lado desse fenômeno de consumo é inegável o papel singular que o audiovisual tem desempenhado no apefeiçoamento dos processos de comunicação, seja ele pessoa a pessoa ou em sistemas de difusão de informação em massa. A facilitação do acesso aos meios de produção e difusão de conteúdo tem se acelerado vertiginosamente a partir dos anos 80 do século passado obrigando a sociedade a incorporar esses dispositivos como insumos básicos de consumo e de uso para trocas sociais.

Certamente que no contexto das comunicações é preciso registrar o advento do telégrafo, dos correios, do rádio, como antecessores da indústria criativa do audiovisual, mas é inquestionável que a combinação de som e imagem potencializaram o diálogo multisensorial até então inexistente. Essa combinação de sentidos resgata toda uma história de arte e criação revelando novas qualidades dos elementos constitutivos dessa nova forma de expressão: a linguagem audiovisual.

É nesse contexto que devemos olhar o ensino do cinema e do audiovisual. De uma lado a cadeia produtiva da indústria da comunicação, do outro a criação e a experimentação de uma nova linguagem expressiva com o potencial ilimitado das artes dos sons e das imagens.

Desde as primeiras escolas soviéticas dos anos 20 até os dias de hoje, essas duas perspectivas se fazem presente e exigem forte consistência acadêmica para propiciar uma sólida formação técnica e artística para os alunos. Não se trata apenas de repassar procedimentos técnicos ou soluções já consagradas mas é preciso instigar a pesquisa e a investigação na inovação que, no caso da arte, é imaterial.

O valor de consumo é substituído pelo valor subjetivo. O produto disputa com o processo o foco da realização. São questões que confrontam o próprio conceito de indústria, habituada a ser um ambiente construído para multiplicação e reprodução de modelos existentes. Esse amplo conceito, para toda uma indústria, exige um complexo conjunto de ações formulado por diferentes atores sociais, que incluem agentes públicos e privados, cujas iniciativas visam ampliar o acesso a produção e consumo do audiovisual, particularmente o nacional

Na Universidade Federal Fluminense esse debate ocorre há mais de quarenta anos http://www.ufscar.br/rua/site/?p=1962" e um pouco do que é produzido no curso é exibido em festivias e mostras, nacionais e internacionais, assim como é refletido em monografias disponíveis na Revista Rascunho ,a href="http://sites.google.com/site/monografiascineviuff/">http://sites.google.com/site/monografiascineviuff, enquanto que as dissertações e teses se juntam a outros esforços parcialmente sistematizados em sites de cinema, como é o caso do mnemocine www.mnemocine.com.br. O questionamento político e social, a problematização dos costumes e hábitos culturais, o conhecimento científico e o desenvolvimento de um pensamento crítico sobre o cinema e o audiovisual, são temas recorrentes para se pensar quer na escola ou fora dela.

Esse caminho iniciado por Nelson Pereira dos Santos em 1968, tem como uma de suas principais marcas a realização audiovisual com liberdade criativa. Esse fundamento é base para todo o projeto de uma escola que pretende formar indivíduos capazes de intervir em novos processos a partir de um olhar estético formulado pelo cinema. Essa pedagogia tem permitido que nossos ex-alunos atuem no mercado profissional do cinema, da televisão, da telefonia celular e, mais recentemente, na do videogame, além de contribuir para a construção de novos ambientes de ensino, seja em escolas livres de cinema, seja na organização de cineclubes, mostras, festivais, além de participarem no campo político na gestão de projetos de incentivo à difusão do audiovisual. Por isso defendemos propostas de financiamento público para jovens realizadores cujo perfil profissional se define durante essa imersão em mercados formais e informais http://www.revistaglobalbrasil.com.br/?tag=cezar-migliorin sem o que podemos perder a oportunidade de revelar carreiras artísticas ocultas em subempregos ou em empregos para subsistência.

Esse amplo perfil profissional faz parte das diretrizes curriculares formuladas pelo FORCINE – Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual, aprovadas em 2006 pelo Conselho Nacional de Educação http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rces10_06.pdf, é fruto das experiências de ensino de cinema no Brasil ocorridas a partir dos anos 60, com destaque para a Escola Superior de Cinema da Universidade Católica de Minas Gerais, a Escola Superior de Cinema São Luiz, e os cursos de cinema da Universidade de Brasília, Universidade de São Paulo e a Universidade Federal Fluminense. Desde então surgiram novas escolas de Cinema e Audiovisual nas Universidades Públicas e Privadas em todo o território brasileiro.

Enquanto isso, prospera no Brasil, em espaços não formais, experiências bem sucedidas de ensino de cinema como a do Vidigal, ligada ao Grupo Nós do Morro, a Escola Livre de Cinema de Nova Iguaçu, as oficinas de audiovisual na Maré e na CUFA (Central Única de Favelas) e tantas outras. Oficinas de fotografia como as promovidas pelo Programa Agência-Escola Imagens do Povo http://www.imagensdopovo.org.br assim como projetos de realização audiovisual na pré escola apoiado pela Faperj http://www.faperj.br/boletim_interna.phtml?obj_id=5541 demonstram o que o esforço para difundir e ensinar o audiovisual se constituem em linhas de ação tanto de organizações não governamentais como de instituições públicas.

Destaca-se, também, um programa do Ministério da Cultura designado como Cine Mais Cultura, que está implantando 1.600 salas de exibição de cinema brasileiro em instituições da sociedade civil articuladas com o poder público, numa clara demonstração de que o Estado brasileiro também quer contribuir para a superação das barreiras culturais impostas pelo atraso no desenvolvimento de uma indústria audiovisual nacional. O novo passo desse ambicioso e inédito projeto é inserir essas salas de exibição nas escolas públicas, fazendo reacender os ideais que fundaram o INCE – Instituto Nacional de Cinema Educativo dos anos 30. (Em Brasília, por meio de emenda parlamentar, esse projeto já está em implantação nas 87 escolas públicas do Distrito Federal.) Com a mesma urgência de fazer chegar o cinema nas escolas, tramita o projeto de Lei do Senador Cristovam Buarque, que prevê a exibição de 2 horas semanais de cinema nacional nas escolas públicas. É um projeto importante e que se articula com a política nacional de cultura do MinC de levar o audiovisual para o cotidiano do ambiente escolar.

É nesse contexto de urgências, que a UFF diagnosticou a necessidade de capacitar profissionais formados na área do cinema e do audiovisual para assumir o lugar de ensino nas escolas e planejar esses cursos, uma vez que quase todas essas experiências tem sido conduzidas por pessoas com alguma formação em cinema ou em áreas afins. O curso de Licenciatura em Cinema e Audiovisual visa contribuir para a consolidação dessas ações além de ampliar a dimensão do cinema descrita nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte ftp://ftp.fnde.gov.br/web/pcn/05_08_artes.pdf e que tem sido negligenciada há décadas nas escolas públicas.

O projeto elaborado pelo Departamento de Cinema e Vídeo em 2009 foi incluído no Programa Reuni, do Governo Federal, como parte dos compromissos da UFF com a expansão de vagas nos vestibulares universitários. Trabalhamos com a possibilidade de oferecimento de 20 vagas no vestibular em 2011/12 dependendo da conclusão das obras já iniciadas no campus do Gragoatá, em Niterói-RJ, às margens da Baía de Guanabara.

O curso terá a duração de quatro anos com disciplinas do campo do Cinema e do Audiovisual, como História do Cinema Brasileiro, História do Cinema Mundial, Teoria e Linguagem Cinematográfica, Narrativas Audiovisuais, e outras, além das de Ciências Humanas e Sociais, de Estudos de Linguagem, de Artes e da Educação.

O projeto pedagógico contemplou metade da carga horária obrigatória com disciplinas teórico-práticas voltadas para a produção audiovisual e para a prática de ensino do audiovisual em sala de aula. São oficinas que privilegiam o processo de realização de vídeos com celulares, webcameras, câmeras digitais, e animação gráfica, e a pesquisa audiovisual desenvolvida com alunos no Colégio Universitário da UFF.

Outro aspecto diferencial do programa pode ser chamado de “liberdade acadêmica”, pois o aluno poderá definir e escolher cerca de 25% da carga horária de acordo com os seus interesses específicos, com uma orientação docente. Esse deverá ser um facilitador para que pessoas com outras formações possam ser acolhidas na Licenciatura em Cinema e Audiovisual. Queremos incluir egressos de história, física, matemática, português, biologia, geografia e tantas outras áreas de conhecimento que tem demonstrado, de forma consistente, interesse na pesquisa e na prática audiovisual.

Esperamos, como essa iniciativa, estabelecer um ambiente de permanente reflexão sobre as diversas modalidades de ensino do audiovisual, difundindo a pedagogia da criação baseada na experiência estética do cinema, além de conscientizar os indivíduos sobre o campo de estudo das imagens na Era do Audiovisual.

Metais para todos!

Original em: http://www.kinooikos.com/tutoriais/lugares_do_ensino-2/35/

Nenhum comentário:

Postar um comentário